O que é a fase de socialização primária
Quem oferece o serviço de medicina veterinária comportamental ou adestramento sempre tem contato com animais extremamente medrosos ou agressivos. É comum atendermos cães que avançam em pessoas e em outros animais durante o passeio ou que precisam de focinheira para tomar banho em um pet shop. Até receber visitas pode ser uma atividade cansativa para quem tem um cão agressivo. Os tutores desses animais, frustrados com o comportamento que eles apresentam, nos perguntam o motivo pelo qual eles agem dessa forma.
E se indagados sobre como foram os primeiros três meses desses animais, muitas vezes nos respondem que seus cães passaram esse período tendo contato apenas com pessoas da família e saindo de casa apenas para ir ao veterinário.
O tutor, bem intencionado, frequentemente não deixa o seu cão ter contato com outros lugares, pessoas e animais para evitar o risco de uma doença infecciosa como a cinomose ou a parvovirose, que são realmente muito perigosas e exigem um cuidado preventivo. Porém, se nos primeiros três meses de vida é necessário realizar um protocolo de vacinação completo e tomar alguns cuidados, como não deixar o cão caminhar pelo chão em locais públicos (especialmente com terra ou grama), também devemos lembrar que nesse período ocorre uma fase crucial no desenvolvimento da personalidade dos cães, que é a chamada fase de socialização primária. Essa fase se inicia aos 21 dias e se entende até que o cão complete por volta de 14 semanas de vida.
Animais que passam por esse período tendo pouco contato com pessoas, cães e outros estímulos, tem uma alta propensão a desenvolver problemas comportamentais no futuro. Devemos lembrar que da mesma forma que o animal corre perigo ao adquirir uma doença infecciosa, ele também corre o risco de ter a sua qualidade de vida seriamente prejudicada caso desenvolva um problema comportamental. Esse animal ansioso, medroso ou agressivo terá o vínculo com o tutor comprometido e caso desenvolva um quadro sério de agressividade correrá o risco de ser abandonado ou até mesmo sacrificado, já que muitos tutores não procuram um tratamento adequado para a agressividade. Cães medrosos ou ansiosos também correm um risco maior de adquirir doenças e tendem a ter um tempo de vida mais curto do que os que respondem mais calmamente aos estímulos ambientais.
Durante os seus primeiros três meses o cão deve começar a ser exposto aos estímulos com os quais vai conviver durante a vida adulta. Esperar passar o período de vacinação para depois realizar a socialização do animal nunca vai ter a mesma eficácia na prevenção de problemas comportamentais como um trabalho iniciado durante a fase de socialização primária, quando o animal esta passando por um período no seu desenvolvimento neurológico que permite uma maior adaptação a estímulos ambientais e sociais. Existem diversos meios de expor o seu animal a presença de pessoas e outros animais de forma segura. Recomendamos a seguir algumas dicas facilitar esse processo e fazer com que o seu filhote tenha uma melhor qualidade de vida agora e no futuro.
REALIZE UM PLANEJAMENTO
Faça uma lista com todos os estímulos com os quais o seu filhote terá que conviver na idade adulta. Alguns exemplos são: visitas entrando na casa, cães conhecidos e desconhecidos (com os devidos cuidados), prestadores de serviço, crianças das mais variadas idades, bebês, gatos e veterinário. Embora a prioridade sejam estímulos sociais (como pessoas e outros cães) devemos incluir também na nossa lista estímulos e situações que podem gerar medo em animais que não foram habituados, como: carros estacionados, carros em movimento, uso da caixa de transporte, escovação, uso do secador, guarda-chuvas, bengalas e chapéus. A partir desse planejamento, você já pode começar a iniciar uma rotina com o seu filhote que inclua esses estímulos listados acima. Lembrando que esse planejamento deverá ser realizado de acordo com a necessidade da sua própria família.
PROCURE RESPEITAR O RITMO DO SEU FILHOTE
Respeite sempre o tempo do seu animal. Se ele, por exemplo, demonstrar medo de pessoas desconhecidas, não o force a ser pego no colo. Ao invés disso, dê a ele a oportunidade de se afastar caso não queira contato. Muitas vezes ignoramos os sinais de medo que o cão nos transmite e insistimos no contato, isso pode fazer com que o medo do filhote aumente, porque ele pode perceber que não tem como fugir da situação desagradável. Frequentemente o comportamento agressivo acontece porque o cão aprende que a única forma de escapar de uma situação assustadora é demonstrando agressividade (muitos animais têm medo de receber carinho de estranhos). Forçar o cão a superar o medo nunca é a melhor saída, o importante nesse caso é que esses estímulos sejam introduzidos de forma gradual e positiva. Por exemplo, caso uma visita entre na sua casa e o cão se afaste, demonstrando medo, ou até mesmo latindo/rosnando, peça para que a pessoa o ignore por alguns minutos, sem forçar nenhuma interação. Caso o cão venha cheirar a pessoa e demonstre curiosidade, procure oferecer petiscos. A visita pode acariciar o cão quando ele for até ela demonstrando interesse em interagir. Lembre-se que você não precisa passar longos períodos fazendo essas tarefas, o importante nesse processo e a frequência. É melhor realizar 5 minutos de escovação diária de forma relaxada e divertida para o filhote, do que passar mais de 30 minutos realizando uma única sessão quinzenal, com o animal tentando fugir da situação.
CONHECENDO PESSOAS E ANIMAIS
O seu cão não deve de forma alguma caminhar no chão, em locais públicos, fora da sua casa ou apartamento antes de ter tomado todas as doses das vacinas antirrábica e V8 ou V10 recomendadas pelo seu veterinário. Mas você pode convidar visitas durante esse período para que ele se acostume a receber pessoas. Quando as visitas entrarem, você pode brincar com o seu cão e pedir para que ele se sente para ganhar petiscos, isso o ajudará a aprender boas maneiras e a relacionar a presença de pessoas a algo positivo. Outro jeito seguro de fazer com que o seu filhote tenha contato com pessoas é levá-lo para a casa de parentes e amigos. Essa é uma boa opção para quem mora em locais de difícil acesso. Porém, é importante que o local visitado não tenha cães que saem para a rua com frequência porque mesmo cães vacinados e que não apresentam cinomose podem eliminar o vírus. O cão que entrará em contato com o seu filhote deve ser saudável, dócil e acostumado a interagir com outros cães. Um cão agressivo com outros animais poderá fazer com que o seu filhote tenha medo de outros cães no futuro. Caso você conheça alguém que tenha um filhote nesta fase que seja saudável e esteja recebendo os cuidados necessários para a prevenção de doenças infecciosas, você pode marcar encontros para que eles brinquem na casa de um dos cães. Isso ajudará o seu cão a interagir de forma adequada com outros animais e será excelente para que ele desenvolva habilidades sociais.
LEVE O SEU CÃO PARA PEQUENOS PASSEIOS NO SEU COLO
Para que o seu cão se acostume aos estímulos presentes no passeio (que são muitos!) como veículos, pessoas passando e outros cães, leve o seu filhote para passear no colo, realizando o trajeto que ele irá fazer no futuro, caminhando. Os primeiros passeios no colo devem ser realizados em horários mais tranquilos e durante um período curto (no máximo de 10 a 15 minutos). Se você perceber que o seu cão esta assustado com os barulhos dos carros, por exemplo, procure se afastar e ficar a uma distância na qual o filhote se sinta mais seguro. Para que ele faça uma associação positiva aos estímulos, você pode utilizar petiscos. Por exemplo, o seu cachorro pode receber petiscos ao entrar no elevador, passar pelo hall e interagir com as pessoas do local, isso o ajudará a se acostumar ao local e evitará que no futuro ele tenha medo de passear ou apresente reações agressivas. O ideal é que o seu cão se habitue a ver pessoas, outros cães e veículos passando. Somente o fato de ele estar próximo já ajuda na habituação, não é necessário que todas as pessoas que passem interajam com o seu cão.
Com esse preparo o seu filhote será muito mais confiante, terá uma qualidade de vida melhor e uma rotina muito mais divertida. Se você tiver qualquer dificuldade em realizar esse trabalho ou notar que o seu filhote tem um comportamento medroso ou agressivo, não hesite em procurar ajuda especializada mesmo ele sendo um filhote. Quanto antes você realizar um trabalho voltado para a solução de problemas comportamentais, melhores e mais rápidos serão os resultados.